No exterior, governos bancam doses; no Brasil, clínicas privadas querem negociar
O Reino Unido disse ser impossível se vacinar
na rede privada ou em farmácias
Dos países que já apresentaram planos ou começaram a vacinar contra a covid-19 nas últimas semanas, a aposta inicial tem sido na oferta de doses gratuitas e não na possibilidade de compra na rede privada. No Brasil, o debate ganhou força nos últimos dias após o setor de clínicas particulares anunciar negociações para a aquisição de um imunizante indiano.
O Reino Unido informa ser
impossível se vacinar na rede privada ou em farmácias. Por lá, a vacinação será
gratuita e fornecida pelo Serviço Nacional de Saúde da Inglaterra (NHS, em
inglês), similar ao SUS brasileiro. A União Europeia também informou que a
maioria dos 27 países integrantes do bloco têm intenção de oferecer a vacina
gratuitamente, sem detalhar eventuais exceções.
Nos Estados Unidos, que não têm
um sistema público e universal de saúde, o governo prometeu oferta gratuita de
doses a todos. Na Índia - país de 1,3 bilhão de habitantes que prevê ampla
vacinação pública - foi levantada a possibilidade de venda na rede privada, mas
a oferta só deve ocorrer após o início da campanha.
Na Índia e no Equador, a
participação da rede suplementar de saúde tem sido considerada no apoio
logístico e de distribuição das vacinas pelo setor público. Na Índia, ao menos
três grandes redes hospitalares privadas já se comprometeram a apoiar o plano
de imunização do governo no que fosse necessário, segundo a imprensa local.
Em dezembro, o ministro da Saúde
do Equador, Juan Carlos Zeballos, confirmou que a imunização no país andino
seria focada nos adultos e envolveria parceria entre redes pública e privada,
com previsão de se manter entre março e setembro. "Há uma coalizão que
busca integrar vários setores (públicos e privados) para que a compra,
distribuição e vacinação sejam seguidas de forma ágil e adequada", disse à
agência Reuters.
As principais farmacêuticas
desenvolvedoras de vacinas, como Pfizer e AstraZeneca, já afirmaram que não
pretendem negociar venda com empresas, apenas com governos. Nesta semana, a
Associação Brasileira das Clínicas de Vacinas (ABCVAC)informou negociar cinco
milhões de doses com a farmacêutica indiana Bharat Biotech, responsável pelo
produto Covaxin, que ainda não teve os dados de eficácia divulgados.
"O que precisa ficar claro é
que na maioria dos países com sistema de saúde como o nosso, o que não inclui
os Estados Unidos, é o Estado quem se responsabiliza pela saúde do seu cidadão.
Então quem fala qual será a vacina, o início da campanha e as prioridades é o
Estado e não cada um por si", afirma Ana Maria Malik, coordenadora do
FGVSaúde.
"A comercialização das
vacinas pelo setor privado não está colocada em outros países simplesmente
porque o setor público está cumprindo o seu papel", afirma Deisy Ventura,
especialista em saúde global da USP.
"Não acho correto do ponto
de vista ético disponibilizar algo no mercado privado sem que o público tenha
pelo menos começado. Não seria bom ter agora ter em janeiro, fevereiro a vacina
indiana no mercado privado sem o PNI (Plano Nacional de Imunização) ter dado os
primeiros passos", avalia o advogado Paulo Almeida, diretor executivo do
Instituto Questão de Ciência. "Não há certo ou errado, mas caminhos
intermediários que podem ser trilhados. Aumentar a capacidade de vacinação sem
prejudicar ninguém", acrescenta.
Competição
Outro risco da oferta prematura de
vacinas no setor privado é a forma como isso pode aquecer o mercado
farmacêutico e prejudicar a comercialização com países a ponto de não haver
doses suficientes sequer para as populações prioritárias, dizem especialistas.
"O primeiro aspecto que isso
pode gerar é a escassez de doses no momento inicial. A reserva para o sistema
privado tem potencial de diminuir essa disponibilidade pela falta do material
no sistema público e pela competição que pode despertar no mercado,
principalmente porque o sistema privado tem mais poder aquisitivo", diz
Fábio Leal, infectologista da Universidade de São Caetano do Sul.
Clínicas devem seguir plano
Diante das negociações realizadas
por clínicas particulares para a compra de vacinas contra a covid-19, o
Ministério da Saúde disse no início desta semana que a rede privada também deve
seguir a ordem de vacinação de grupos prioritários prevista no plano nacional
de imunização. Desta forma, mesmo que possa vender o produto, as clínicas
deverão oferecer primeiro a idosos e profissionais específicos.
"Os grupos prioritários,
propostos pelo Ministério da Saúde em parceria com Conass e Conasems, devem, a
princípio, ser obedecidos mesmo que haja integração de clínicas particulares de
vacinação ao processo de imunização", disse o ministério em nota.
A Associação Brasileira das
Clínicas de Vacinas (ABCVAC) informou no domingo, 3, que o setor negocia a
compra de cinco milhões de doses da Covaxin, imunizante contra a covid-19
fabricado pela farmacêutica indiana Bharat Biotech. Os dados de eficácia do
imunizante ainda não são conhecidos.
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