O cérebro sujeito
ao tempo
Mesmo sem alterações patológicas, envelhecimento
provoca uma reorganização do funcionamento da mente
RICARDO AGUIAR | ED. 237 | NOVEMBRO 2015
Exercícios físicos,
além de uma vida intelectualmente estimulante, ajudam a manter a juventude cerebral
Assim como
a pele ganha rugas e os cabelos ficam brancos, o cérebro muda conforme a pessoa
envelhece. São alterações estruturais e também funcionais, na forma como as
diferentes regiões desse órgão se comunicam e relacionam. Resultados publicados
na revista Cerebral Cortex ajudam a caracterizar essas
mudanças. “Observamos que o cérebro passa por um processo de reorganização”,
explica Geraldo Busatto Filho, da Faculdade de Medicina da Universidade de São
Paulo (FM-USP), um dos autores do artigo. “Funções mentais importantes exigem
integração e sincronia entre diferentes áreas.”
Luiz
Kobuti Ferreira, autor principal do estudo e também da FM-USP, conta que o estudo
avaliou pareamentos entre 278 regiões do cérebro inteiro. Entre os três mais
importantes resultados do trabalho, realizado com ressonância magnética
funcional, está o aumento da associação, em idosos, entre áreas de funções
diferentes que não precisariam se comunicar para realizar as respectivas
tarefas. O exame, que permite ver o cérebro em funcionamento, mostrou que a
área responsável pela visão, por exemplo, tem conexão fraca com aquela
relacionada ao raciocínio lógico em jovens e adultos. Entretanto, conforme a
idade aumenta, essas áreas passam a funcionar mais em conjunto.
“Uma das
teorias sobre isso diz que certas regiões cerebrais não conseguem exercer sua
função tão bem quanto antes e recrutam outras áreas como forma de compensação,
o que leva a uma perda de especialização”, diz Ferreira. Esse tipo de funcionamento
pode deixar o cérebro mais suscetível a ruídos, dificultando a execução de tarefas
que exigem atenção ao mundo externo. Como os idosos avaliados eram saudáveis e
não apresentavam problemas cognitivos, também é possível que a maior conexão
entre diferentes áreas esteja relacionada à maior experiência de vida e aprendizado.
Outra
diferença entre o cérebro de jovens e de idosos é uma perda de sincronia entre
regiões. Durante a infância e a adolescência, algumas redes cerebrais começam a
se comunicar mais entre si e passam a ficar ativas simultaneamente, enquanto
regiões com funções diferentes podem fazer o processo contrário: se uma delas
está ativa, a outra não está. Um exemplo são as regiões responsáveis pela
atenção, ativadas diante de uma ameaça, e a Rede de Modo Padrão (Default
Mode Network, em inglês), um conjunto de regiões ativo quando a pessoa está
alheia ao mundo externo. Em uma parte dos idosos estudados a sincronia entre
essas regiões, que é forte em jovens e adultos, fica reduzida.
Pares de
regiões fortemente associadas entre si também podem se tornar menos conectadas
em idosos. Essa observação foi constatada principalmente na Rede de Modo Padrão
e corroborou estudos anteriores realizados com regiões específicas do cérebro.
Os achados
complementam trabalhos anteriores do grupo de Busatto, que analisaram como o
envelhecimento afeta o cérebro do ponto de vista estrutural. “O cérebro de
idosos apresenta uma diminuição de volume que pode ser explicada por várias
alterações, incluindo diminuição da densidade de conexões sinápticas, da atividade
de neurotransmissores e perda dos prolongamentos dos neurônios”, diz ele.
Ainda não
é motivo para se sentir derrotado. O processo de envelhecimento cerebral pode
ser minimizado pela prática de exercícios físicos, por uma dieta saudável e por
não fumar, além de estar bem psicologicamente e participar de atividades mentalmente
estimulantes.
Outros
grupos se concentram em compreender como se dá o envelhecimento não saudável do
cérebro, como o de Carlos Alberto Buchpiguel e Daniele Farias, do Centro de
Medicina Nuclear da USP, em colaboração com o grupo de Busatto. “Eles estão
analisando pacientes com comprometimento cognitivo leve e estágio inicial de
doença de Alzheimer, responsável por mais da metade dos casos de demência”, diz
Busatto. “Está sendo usada a técnica de PET para fazer imagens do acúmulo de fragmentos
do peptídeo beta-amiloide no cérebro para analisar, em conjunto com exames de
ressonância magnética funcional, se esses acúmulos estão relacionados com
mudanças nos padrões de conectividade cerebral”, explica, referindo-se a um
tipo de tomografia que permite monitorar determinadas substâncias químicas no organismo.
Estudar o
que acontece no cérebro em pacientes com Alzheimer é o objetivo também de
Marcio Balthazar, da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de
Campinas (FCM-Unicamp): tanto alterações estruturais e funcionais que ocorrem
no cérebro como as semelhanças e diferenças entre o envelhecimento saudável e o
patológico.
Balthazar
observa que pacientes com Alzheimer, em comparação com idosos saudáveis,
apresentam uma desativação menor da Rede de Modo Padrão durante a realização de
tarefas voltadas para o mundo externo, o que resulta numa menor capacidade de
atenção e concentração. Ele também detecta uma maior quantidade de conexões
entre áreas do cérebro que exercem diferentes funções. Conforme a doença
avança, o cérebro dos pacientes diminui muito mais de tamanho quando comparado
a cérebros saudáveis, e deixa de recrutar outras regiões como forma de
compensação.
Prevenir e
remediar
Um dos principais desafios para Balthazar é encontrar métodos para detectar a doença de Alzheimer da maneira mais precoce possível. Uma ideia é unir os padrões de conectividade cerebral com o que já se sabe sobre a deposição da proteína beta-amiloide, principal responsável pela perda de conectividade e por problemas cognitivos na doença. “Nossos resultados mais recentes indicam que é possível utilizar níveis de beta-amiloide para predizer o grau de conectividade cerebral”, explica. Ele ressalta que a ideia de utilizar a proteína e imagens cerebrais como biomarcadores tem potencial, mas ainda precisa ser refinada para ser utilizada com sucesso na área clínica.
Um dos principais desafios para Balthazar é encontrar métodos para detectar a doença de Alzheimer da maneira mais precoce possível. Uma ideia é unir os padrões de conectividade cerebral com o que já se sabe sobre a deposição da proteína beta-amiloide, principal responsável pela perda de conectividade e por problemas cognitivos na doença. “Nossos resultados mais recentes indicam que é possível utilizar níveis de beta-amiloide para predizer o grau de conectividade cerebral”, explica. Ele ressalta que a ideia de utilizar a proteína e imagens cerebrais como biomarcadores tem potencial, mas ainda precisa ser refinada para ser utilizada com sucesso na área clínica.
Outro
objetivo é descobrir um tratamento eficaz para a doença de Alzheimer, que hoje
não tem cura. O grupo de Balthazar estuda, atualmente, se o exercício físico –
que ajuda a prevenir a doença – pode ter efeito também como tratamento. “Resultados
preliminares indicam que exercícios físicos têm potencial para retardar não
apenas o aparecimento, mas também a progressão da doença.”
Projetos
1. Recuperação de memória autobiográfica e envelhecimento cerebral: um estudo através de ressonância magnética funcional (nº 2011/00475-3); Modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular; Pesquisador responsável Geraldo Busatto Filho (FM-USP);Investimento R$ 69.463,87.
2. Neurociência translacional da doença de Alzheimer: estudos pré-clínicos e clínicos do peptídeo b-amiloide e outros biomarcadores (nº 2012/50329-6); Modalidade Projeto Temático; Pesquisador responsável Geraldo Busatto Filho (FM-USP);Investimento R$ 3.082.570,79.
3. Biomarcadores na doença de Alzheimer e comprometimento cognitivo leve: estudo de métodos de ressonância magnética funcional e marcadores liquóricos e plasmáticos (nº 2011/17092-0); Modalidade Jovens Pesquisadores; Pesquisador responsável Márcio Balthazar (FCM-Unicamp); Investimento R$ 226.940,05.
1. Recuperação de memória autobiográfica e envelhecimento cerebral: um estudo através de ressonância magnética funcional (nº 2011/00475-3); Modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular; Pesquisador responsável Geraldo Busatto Filho (FM-USP);Investimento R$ 69.463,87.
2. Neurociência translacional da doença de Alzheimer: estudos pré-clínicos e clínicos do peptídeo b-amiloide e outros biomarcadores (nº 2012/50329-6); Modalidade Projeto Temático; Pesquisador responsável Geraldo Busatto Filho (FM-USP);Investimento R$ 3.082.570,79.
3. Biomarcadores na doença de Alzheimer e comprometimento cognitivo leve: estudo de métodos de ressonância magnética funcional e marcadores liquóricos e plasmáticos (nº 2011/17092-0); Modalidade Jovens Pesquisadores; Pesquisador responsável Márcio Balthazar (FCM-Unicamp); Investimento R$ 226.940,05.
Artigo científico
FERREIRA, L. K. et al. Aging effects on whole-brain functional connectivity in adults free of cognitive and psychiatric disorders.Cerebral Cortex. On-line. 26 ago. 2015.
FERREIRA, L. K. et al. Aging effects on whole-brain functional connectivity in adults free of cognitive and psychiatric disorders.Cerebral Cortex. On-line. 26 ago. 2015.
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