Uma forma
de conter parasitas
Revista
Pesquisa FAPESP
Podcast:
Ricardo Gazzinelli
Quando o sistema de defesa humano é avisado de uma infecção por
parasitas, como os causadores da doença de Chagas, da leishmaniose e da
toxoplasmose, uma operação altamente eficiente impede que os microrganismos se
disseminem dentro das células e se espalhem pelo organismo. O mecanismo de
ataque a esses parasitas intracelulares acaba de ser desvendado, de acordo com
artigo publicado em janeiro no site da revista Nature Medicine. “Esse
conhecimento pode nos ajudar a pensar em vacinas mais eficientes na indução dos
linfócitos do tipo TCD8, um problema em imunologia”, diz o imunologista Ricardo
Gazzinelli, do Centro de Pesquisas René Rachou, braço da Fundação Oswaldo Cruz
em Minas Gerais, e coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de
Vacinas (INCTV).
É sabido que os linfócitos
citotóxicos detectam e combatem os patógenos que residem nas células, enquanto
os anticorpos vigiam o ambiente fora delas. Mas até agora não se sabia bem como
os linfócitos TCD8 atuavam no combate a protozoários e bactérias. “É importante
contra vírus”, explica Gazzinelli, “porque destrói a célula infectada da qual
eles dependem para se proliferar”. Ocorre que as bactérias e os parasitas são
organismos autônomos e, se liberados no meio extracelular, uma vez morta a
célula hospedeira, estão aptos a infectar outras células. Especialista nas
relações entre o sistema imunológico humano e os parasitas causadores de
doenças (ver Pesquisa FAPESP nºs 160, 164 e 221), o pesquisador mineiro passou o ano
acadêmico de 2013/2014 nos Estados Unidos, graças a uma bolsa de professor
visitante na cátedra Capes/Centro David Rockefeller para Estudos
Latino-americanos da Universidade Harvard, para a qual foi selecionado. Logo no
início, depois de apresentar seu trabalho numa palestra, foi procurado pela
física e médica Judy Lieberman, cujo laboratório investiga os mecanismos
moleculares pelos quais os linfócitos citotóxicos destroem células infectadas
com vírus e bactérias. “Será que funciona da mesma maneira para protozoários?”,
ela perguntou.
Começou aí a parceria dinâmica
que também envolveu o médico Farokh Dotiwala, do laboratório de Judy, e o
biólogo Rafael Polidoro, à época estudante de doutorado que acompanhou
Gazzinelli a Harvard. O primeiro resultado foi a descrição do mecanismo
destruidor de parasitas intracelulares: a microptose. O termo é inspirado na
apoptose, a morte celular, por serem aparentemente muito semelhantes: formam-se
bolhas na membrana celular, as mitocôndrias ficam dilatadas, o DNA é danificado
e a cromatina, que contém o material genético, aparece condensada. O que
diferencia as duas mortes são os atores. No caso da apoptose, os linfócitos
reconhecem as células infectadas por meio de marcadores apresentados pelo
sistema de defesa e liberam minúsculas bolsas, ou grânulos, contendo uma
proteína que faz furos na membrana, a perforina, e uma enzima chamada
graenzima. Esta entra na célula e degrada proteínas relevantes para a
homeostase, levando à morte celular.
Gazzinelli, Judy e colaboradores
mostraram que os linfócitos TCD8 humanos (mas não os de roedores) liberam
também uma substância antimicrobiana chamada granulisina, que entra na célula
infectada e é atraída por membranas com baixo teor de colesterol: a dos
parasitas. A granulisina perfura a membrana dos parasitas e bactérias invasores
e permite a entrada da graenzima, que gera compostos muito reativos à base de
oxigênio (os radicais livres) e desativa os mecanismos de defesa do
microrganismo contra o estresse oxidativo. São esses processos oxidativos que,
na maioria das vezes, eliminam o parasita. Quando se examina esse ataque ao
microscópio, a aparência é muito semelhante à da apoptose. Mas distinções
químicas inerentes ao organismo – a apoptose depende de enzimas chamadas
caspases, que não existem nos protozoários – e os atores distintos (granulisina
e microrganismos) justificaram a criação do novo termo, microptose.
Eficiência
“Uma coisa surpreendente é que a morte dos parasitas é mais rápida que a da célula hospedeira, embora seja desencadeada depois”, comenta Gazzinelli. Isso impede que os protozoários escapem e invadam outras células, uma situação que precisaria ser combatida pelo sistema imunológico por meio de macrófagos patrulhando o meio entre as células e devorando os invasores. Era o que, até agora, se imaginava que acontecia. “Isso explica por que os TCD8 são tão eficientes no combate às infecções por protozoários intracelulares”, conclui o pesquisador. Pode ser por isso que muitos casos de doença de Chagas, por exemplo, são assintomáticos.
“Uma coisa surpreendente é que a morte dos parasitas é mais rápida que a da célula hospedeira, embora seja desencadeada depois”, comenta Gazzinelli. Isso impede que os protozoários escapem e invadam outras células, uma situação que precisaria ser combatida pelo sistema imunológico por meio de macrófagos patrulhando o meio entre as células e devorando os invasores. Era o que, até agora, se imaginava que acontecia. “Isso explica por que os TCD8 são tão eficientes no combate às infecções por protozoários intracelulares”, conclui o pesquisador. Pode ser por isso que muitos casos de doença de Chagas, por exemplo, são assintomáticos.
Também é importante a descoberta
de que a granulisina não existe em todas as espécies. “A utilidade de fazer
estudos de certas doenças usando camundongos tem que ser revista”, alerta
Gazzinelli, embora não os descarte como cobaias. Seu grupo reiterou a descoberta
produzindo roedores transgênicos capazes de expressar a proteína, e eles se
mostraram muito mais resistentes a infecções por protozoários.
Frutífera, a parceria entre os
grupos de Minas Gerais e de Harvard deve continuar nos próximos anos. “Pretendemos
dissecar o papel dos linfócitos TCD8 no combate a essas infecções”, explica
Gazzinelli. “Por que nem sempre funciona? Por que existem pacientes que
desenvolvem a doença de Chagas?” Nesse contexto, Rafael Polidoro defendeu sua
tese em 2014 e no ano seguinte se mudou para o laboratório de Judy Lieberman,
para um estágio de pós-doutorado.
No contexto das vacinas, o
pesquisador mineiro também pretende rever os testes de uma vacina terapêutica
contra a doença de Chagas proposta em 2015 a partir de um estudo publicado na PLoS
Pathogens, liderado pelos imunologistas Joseli Lannes-Vieira, da Fundação
Oswaldo Cruz, e Maurício Rodrigues, professor da Universidade Federal de São
Paulo falecido no ano passado que compartilhava a coordenação do INCTV.
“Queremos usar a vacina nos camundongos transgênicos expressando granulisina
para ver se é mais eficiente”, conta Gazzinelli.
Artigos
científicos
DOTI WALA, F. et al. Killer lymphocytes use granulysin, perforin and granzymes to kill intracellular parasites. Nature Medicine. on-line. 11 jan. 2016.
PEREIRA, I. R. et al. A human type 5 adenovirus-based Trypanosoma cruzi therapeutic vaccine re-programs immune response and reverses chronic cardiomyopathy. PLoS Pathogens. v. 11, n. 1, e1004594. 24 jan. 2015.
DOTI WALA, F. et al. Killer lymphocytes use granulysin, perforin and granzymes to kill intracellular parasites. Nature Medicine. on-line. 11 jan. 2016.
PEREIRA, I. R. et al. A human type 5 adenovirus-based Trypanosoma cruzi therapeutic vaccine re-programs immune response and reverses chronic cardiomyopathy. PLoS Pathogens. v. 11, n. 1, e1004594. 24 jan. 2015.
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