sábado, 30 de junho de 2018

Insegurança


Surto de toxoplasmose assusta município gaúcho há quase três meses 

Desde março, 569 pessoas tiveram diagnóstico confirmado em Santa Maria

Publicado em 28/06/2018 - 18:49

Por Paula Laboissière - Repórter da Agência Brasil  Brasília




Quase três meses após a notificação dos primeiros casos de toxoplasmose em Santa Maria (RS), o surto da doença no município gaúcho continua preocupando médicos e autoridades sanitárias. De março até agora, 569 pessoas tiveram diagnóstico confirmado e 312 casos estão sob investigação. Segundo o Ministério Público Federal, os números já configuram o maior surto de toxoplasmose do mundo.

O alerta maior é entre gestantes – pelo menos 50 receberam resultado positivo para a doença e 145 apresentaram sintomas e também estão sendo investigadas. Além disso, cinco abortos espontâneos provocados pela infecção foram contabilizados. A toxoplasmose é transmitida ao feto pela mãe e, quando não provoca a morte do bebê, causa efeitos permanentes à criança, como cegueira e comprometimento neurológico.

Infectologistas e a própria Secretaria de Saúde do município cobram do governo federal mais apoio financeiro. No Hospital Universitário de Santa Maria, onde a maior parte dos pacientes, incluindo gestantes infectadas com toxoplasmose, recebe atendimento, faltam insumos, remédios e testes diagnósticos capazes de confirmar laboratorialmente a doença – etapa fundamental para o início do tratamento.

“Ouço muito falar em gestão. Mas será que tem como fazer gestão com tão pouco orçamento? Tem. Tem como fazer gestão com pouco orçamento. Mas e quando há um imprevisto? A gente precisa de reforço nesse orçamento”, avaliou a secretária de Saúde de Santa Maria, Liliane Mello Duarte, durante audiência pública hoje (28) na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado. “Viemos pedir apoio. O ministério participou da investigação a partir do dia 26 [de abril], está participando de forma importante, mas nós precisamos de mais.”

Comissão do Senado promove audiência pública sobre o surto de toxoplasmose em Santa Maria - Geraldo Magela/Agência Senado


Ausência de protocolo

Outro problema é que, em meio às centenas de casos de infecção confirmados na cidade, profissionais de saúde não contam com o chamado Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para a doença. O documento estabeleceria critérios claros de diagnóstico e tratamento da toxoplasmose, com as doses adequadas de medicamentos e os mecanismos para monitoramento clínico.

Infectologista há 20 anos, Alexandre Schwarzbold participou da audiência pública via videoconferência e disse estar acostumado a ver casos de toxoplasmose. Ele garante, entretanto, que o surto em Santa Maria apresenta particularidades importantes e grande impacto social, já que a doença apresenta alto índice de mortalidade entre crianças pequenas e recém-nascidos.

“Estamos diante de uma situação ambiental não documentada”, disse, ao se referir à possibilidade de a fonte do surto estar ligada à água e alimentos contaminados e ofertados no próprio município. “Isso serve de modelo de oportunidade para que o ministério estabeleça um protocolo pra essa doença, um protocolo amplo, desde prevenção, insumos diagnósticos e disponibilização de medicamentos.”

Alerta para novas gestações

A também infectologista Jane Margarete Costa acompanha com preocupação o surto no município. Via videoconferência, ela destacou o trabalho de mutirão de profissionais de saúde para dar conta da demanda de gestantes infectadas em Santa Maria. O tratamento, nesses casos, deve ser iniciado o quanto antes e mantido até o final da gravidez. Mulheres com mais de 18 semanas de gestação com resultado positivo para toxoplasmose recebem um coquetel de 11 medicamentos na tentativa de proteger o feto de sequelas mais graves.

Segundo a infectologista, as orientações para a população geral e para as grávidas, particularmente, incluem não beber água in natura, apenas fervida; não consumir alimentos crus; e manter as carnes devidamente refrigeradas e, posteriormente, cozinhá-las muito bem antes do consumo. Durante a audiência pública, a médica chegou a sugerir que novas gestações sejam evitadas até que a situação no município se normalize.

“Como técnica da área de saúde, eu reafirmo: em hipótese alguma, podemos passar para a população uma ideia de segurança quanto a fontes ambientais, água, alimentos. Todas as pessoas têm que manter cuidados preconizados”, disse, ao cobrar o que chamou de mudança de paradigmas. “Há um risco de 25% de contaminação do feto no primeiro trimestre, quando pelo menos a metade dos casos vai resultar em aborto e os outros terão sequelas importantes.” 

Demandas 

Ao final da audiência, uma lista de demandas foi entregue ao Ministério da Saúde: a adoção de um protocolo nacional de diretrizes terapêuticas em casos de epidemia de toxoplasmose; o reforço da verba para o Hospital Universitário de Santa Maria; definição de diretrizes para a realização de exame mensal da doença durante o pré-natal; e a detecção da toxoplasmose no teste do pezinho, além da promoção de uma política de prevenção da doença nacionalmente.

Durante o debate, o secretário de Vigilância em Saúde, do Ministério da Saúde, Osnei Okumoto, garantiu o que chamou de envolvimento da pasta no monitoramento e no controle do surto de toxoplasmose em Santa Maria. Ele disse que mantém conversas com a Secretaria de Ciência e Tecnologia no intuito de conseguir mais verba e investimentos para o combate à doença no município gaúcho.

Por meio de nota, a pasta informou que o surto tem como causa provável a contaminação pela água, com possível contaminação de hortaliças como causa secundária. O parecer foi apresentado ao estado e ao município na última terça-feira (26), após análise dos dados do estudo de caso feito por uma equipe do ministério em conjunto com os gestores locais.

“Vale ressaltar que as outras possíveis causas comuns em casos de toxoplasmose foram eliminadas durante a pesquisa, como carne bovina, de frango e queijos, entre outros alimentos. No entanto, a investigação continuará sendo realizada”, concluiu o comunicado.

Edição: Juliana Andrade




segunda-feira, 18 de junho de 2018

Coração devagar


Frio aumenta em 30% chances de internação por problemas cardíacos

Publicado em 16/06/2018 - 16:43

Por Ludmilla Souza – Repórter da Agência Brasil São Paulo









Entre junho e agosto, meses marcados por temperaturas mais frias, as internações nos hospitais públicos da cidade de São Paulo por insuficiência cardíaca e infarto chegam a ser 30% maiores do que no verão. É o que mostra estudo inédito realizado por médicos da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein.

A pesquisa, liderada pelo cardiologista Eduardo Pesaro considerou todas as internações por insuficiência cardíaca (76.474 casos) e infarto agudo do miocárdio (54.561 casos) registradas em 61 hospitais públicos da capital paulista entre janeiro de 2008 e abril de 2015.

Os dados fazem parte do Cadastro Nacional de Saúde, do Sistema Único de Saúde (SUS). Foram consideradas também as temperaturas mínima, máxima e média em cada período ao longo desses sete anos, registradas pela Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb). “Provavelmente isso se dá por fenômenos múltiplos como o frio e a qualidade de ar como principais aspectos de risco. As pessoas que estão em maior risco e que já são doentes, com pressão alta, diabetes, devem ter uma atenção especial nesse período e maior controle como tomar corretamente o remédio e medir a pressão”, aconselhou o cardiologista.

A pesquisa mostrou ainda que o número médio de internações por insuficiência cardíaca no inverno foi maior em pacientes com mais de 40 anos. Já as hospitalizações por infarto foram registradas em maior número em pacientes com idade superior a 50 anos. De acordo com o cardiologista, as causas do aumento do risco cardiovascular no inverno não estão diretamente ligadas à queda do ponteiro do termômetro, mas às condições ambientais e socioeconômicas de São Paulo.

“Inverno não significa só frio, mesmo porque em São Paulo ele é ameno, com temperatura média de 18 graus e variação de apenas 5 graus. Ele também significa poluição aumentada, crescimento de epidemias provocadas pelo vírus da gripe, o Influenza, além do tempo seco”, diz Pesaro.

Poluição

Com uma população de quase 12 milhões de habitantes e uma frota de 8,64 milhões de veículos (incluindo caminhões e ônibus), São Paulo fica mais poluída no inverno. A baixa umidade, chuva reduzida e as frequentes inversões térmicas (quando o ar frio é bloqueado por uma camada de ar quente e fica preso perto da superfície) são condições que impedem a dispersão de poluentes como monóxido de carbono (CO), dióxido de nitrogênio (NO²), dióxido de enxofre (SO²) e material particulável inalável (PM10).

“Temperatura baixa, pouca umidade e alta poluição contribuem para uma maior incidência de doenças respiratórias e gripe, com o consequente aumento do risco cardiovascular”, explica Pesaro.

Uma das hipóteses levantada no estudo é de que o aumento do risco de infarto e de insuficiência cardíaca no inverno está relacionado às condições socioeconômicas da população. De acordo com o Censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, na região metropolitana de São Paulo, 596.479 casas são consideradas subnormais, como assentamentos irregulares, favelas, invasões, palafitas, comunidades com deficiência na oferta de serviços públicos básicos, como rede de esgoto e tratamento de água, coleta de lixo e energia elétrica. A capital paulista concentra dois terços desse total ou 397.652 lares.

“Em São Paulo, uma população mais desamparada, com casas improvisadas ou sem aquecimento, mais exposta à poluição e ao frio pode apresentar mais risco de ter doenças cardíacas no inverno que uma pessoa que mora em um país de clima temperado, mas está mais protegida por ter calefação na residência e roupas melhores”, diz Pesaro.

Para se proteger, ele recomenda que as pessoas que têm condições, aqueçam bem a casa. “Um aquecedor portátil ajuda em semanas mais extremas de frio. Outra coisa é tratar do vazamento de ar frio por janelas, portas e telhado. E também se agasalhar melhor, pois tudo isso contribui com a proteção, a ideia é não expor ao frio as pessoas que têm maior risco, como idosos e doentes cardiovasculares”.

Ele ainda ressalta a importância da vacinação. “As epidemias virais e as gripes aumentam o risco cardíaco, vacinar-se especialmente nas vésperas do outono e inverno é importante também”. 

O que acontece com o coração

O frio faz os vasos sanguíneos se contraírem e eleva a liberação de adrenalina, o que faz subir a pressão arterial. Além disso, o aumento da poluição contribui para doenças respiratórias que sobrecarregam o coração. Já o Influenza (vírus da gripe) é capaz de causar inchaço ou inflamação das coronárias, com a possibilidade de liberar as placas de colesterol nela depositadas. As placas, por sua vez, podem causar bloqueios e interromper o fluxo sanguíneo.

Para Pesaro, o governo precisa investir em políticas públicas que melhorem a qualidade de vida da população. “As pessoas e os governos têm que cuidar melhor daqueles indivíduos em maior risco durante o inverno. Quem tem risco deve regularizar o controle das suas próprias doenças, como por exemplo, pressão alta, que sabemos que aumenta no inverno, lembrar de tomar os remédios, fazer a medida da pressão com periodicidade e tentar não passar frio mesmo dentro de casa”, aconselha.

Edição: Denise Griesinger