Risco de
contrair zika durante as Olimpíadas divide especialistas
Carta enviada por pesquisadores
da USP e de Cingapura à revista The Lancet contesta pedido de adiamento
ou transferência dos jogos feito por 150 cientistas à OMS
A reprodução do mosquito Aedes aegypti é
menor no inverno
da Agência FAPESP – “Se
você não estiver grávida e decidir evitar os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro
por medo de contrair zika, pode encontrar um motivo melhor; há muitos outros.”
A afirmação foi feita pelos
pesquisadores Eduardo Massad, Francisco Coutinho (ambos da Faculdade de
Medicina da Universidade de São Paulo – FMUSP) e Annelies Wilder-Smith (Lee
Kong School of Medicine, de Cingapura) em carta submetida nesta terça-feira
(31/05) à revista The Lancet. Massad é membro da Rede de Pesquisa sobre
zika Vírus em São Paulo (Rede zika), apoiada pela FAPESP.
No texto, que ainda será avaliado
pelo periódico, os especialistas em modelagem matemática e epidemiologia comparam
o risco de infecção pelo vírus zika durante as Olimpíadas – em agosto – com o
risco de contrair dengue, que é considerado baixo no período de inverno.
O objetivo foi responder a uma carta aberta endereçada à diretora da Organização
Mundial da Saúde (OMS), Margareth Chan, pedindo o adiamento das Olimpíadas do
Rio de Janeiro ou sua transferência para outro local. O documento foi assinado
por 150 especialistas em saúde e bioética de diversos países, entre eles a
brasileira Débora Diniz, professora da Universidade de Brasília (UnB).
Segundo os signatários da carta
enviada à OMS, o evento no Rio ajudaria a acelerar a disseminação do vírus pelo
mundo e, diante das descobertas recentes, seria antiético manter os planos
atuais.
Para Massad, no entanto, a
afirmação não tem base em evidências científicas. “Nós calculamos o risco
individual de infecção pelo vírus da dengue durante as Olimpíadas, que é de
0,0005 [5 casos a cada 10 mil pessoas]. O risco individual de contrair zika é
cerca de 15 vezes menor, ou seja, 0,00003 – algo em torno de 3 casos a cada 100
mil visitantes. Se são aguardados em torno de 500 mil turistas, teríamos
aproximadamente 15 pessoas infectadas, sendo 10 casos assintomáticos e 5 com
sintomas”, afirmou o pesquisador em entrevista à Agência FAPESP.
Segundo Massad, o cálculo tem
como base o número estimado de casos de zika no Brasil em 2015 – que seria
entre 500 mil e 1,5 milhão.
“Como a notificação não é
confiável, usamos meios indiretos para estimar. Sabemos, por exemplo, que, para
cada caso clínico de zika, existem outros cinco assintomáticos. Sabemos também
que uma em cada cem grávidas infectadas pelo zika vai ter filho com
microcefalia. Como é conhecido o número de crianças que nasceram com
microcefalia em decorrência da doença, podemos calcular o número de mulheres
grávidas infectadas. Como sabemos a relação de mulheres grávidas infectadas com
dengue em relação ao total de casos de dengue, podemos usar essa mesma relação
para calcular o total de casos de zika”, explicou Massad.
Já no caso da dengue, somente os
casos notificados ultrapassaram 1,6 milhão em 2015, segundo relatório divulgado
pelo Ministério da Saúde no início deste ano. Somam-se a esse número oficial os
diversos casos assintomáticos e sintomáticos que não entraram nas estatísticas
oficiais.
“Se a distribuição dos casos de
zika ao longo dos meses for igual à da dengue – e não tem por que ser
diferente, pois a doença é transmitida pelo mesmo mosquito e é o vetor que
determina a sazonalidade –, podemos afirmar que o risco de contrair zika em
agosto é 15 vezes menor que o de contrair dengue”, disse Massad.
No texto enviado à The Lancet,
os cientistas afirmam que há aproximadamente dez vezes mais risco de uma mulher
ser estuprada no Rio de Janeiro ou de um homem morrer após levar um tiro.
“Claro que tudo isso são
estimativas muito cruas e, embora o risco seja muito baixo, nós recomendamos
que as grávidas não venham para os jogos. Mas não é o caso de adiar ou
transferir o evento”, opinou Massad.
Outra visão
Procurada pela Agência FAPESP,
Diniz disse ver com “espanto” a segurança com que o texto enviado à The
Lancet apresenta números para prever o risco de infecção por um vírus sobre
o qual ainda se sabe pouco. “Não sabemos sequer a taxa de ataque do zika na
população, por exemplo. Como a notificação compulsória dos casos de infecção
pelo vírus só passou a existir em janeiro de 2016 no Brasil, tampouco sabemos a
história da doença, crucial para poder traçar estimativa de risco futuro. Ou
seja, esses números precisam ser acompanhados do alerta da dúvida”, avaliou a
professora da UnB.
Diniz disse ainda que não são
apenas as gestantes que estão em risco, mas todas as mulheres em idade
reprodutiva, os homens que se relacionam com essas mulheres e seus planos reprodutivos
conjuntos.
“A mais nova recomendação da OMS,
por exemplo, sugere que homens com sintomas de zika aguardem seis meses antes
de planejar uma gravidez com uma parceira. É sobre a reprodução de uma
população que estamos falando. Infelizmente, nos parecem vários bons motivos
para decidir evitar os Jogos Olímpicos do Rio”, concluiu.
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