Começam
testes em humanos de duas vacinas contra zika
Formulações
foram desenvolvidas pelos Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos e
por um consórcio formado por uma empresa norte-americana e outra sul-coreana
Voluntário recebe a vacina contra o vírus zika.
Essa é a primeira vez que a fórmula é administrada em humanos
Umas poucas dezenas de pessoas
nos Estados Unidos e no Canadá receberam as primeiras doses de duas formulações
candidatas a vacina contra o vírus zika nas últimas semanas. Essa é a primeira
vez que potenciais vacinas contra o zika são testadas em seres humanos. Ambas
as formulações são o que os pesquisadores chamam de vacina de DNA e apresentam
composição semelhante: elas contêm cópias sintéticas de um trecho do material
genético do vírus que codifica duas proteínas que o recobrem externamente, a
proteína pré-membrana (prM) e a proteína do envelope (E), a partir das quais as
células de defesa do organismo identificam o invasor.
Essa é a primeira das três fases
de testes em seres humanos que medicamentos e vacinas têm de cumprir antes de
serem liberados para comercialização e uso amplo na população. Na etapa atual,
as duas formulações estão sendo administradas a voluntários saudáveis com o
objetivo principal de verificar se são realmente seguras e não causam reações
indesejáveis graves. Uma delas foi desenvolvida por pesquisadores do Centro de
Pesquisas em Vacinas dos Institutos Nacionais de Saúde (NIH) dos Estados
Unidos; a outra por um consórcio formado pelas empresas GeneOne Life Sciences,
sul-coreana, e Inovio Pharmaceuticals, norte-americana.
Pouco se sabe sobre a vacina da
GeneOne e da Inovio. Por ora identificada pela sigla GLS-5700, ela está sendo
testada nos Estados Unidos e no Canadá, mas até o momento não foram divulgados
os resultados dos experimentos com animais. A formulação dos NIH, a
VRC-ZKADNA085-00-VP, que está sendo aplicada apenas nos Estados Unidos,
mostrou-se eficaz em experimentos com roedores e macacos. Dados obtidos em julho
e apresentados na edição de 22 de setembro da revista Science mostram
que 94% dos macacos que receberam duas doses da vacina dos NIH ficaram
protegidos da infecção por zika.
Nos experimentos, os grupos
coordenados pelo médico Theodore Pierson e pelo virologista Barney Graham
administraram em camundongos e macacos rhesus duas versões da vacina dos NIH,
produzida usando os genes de uma variedade do zika que circulou na Polinésia
Francesa. Em uma das versões, os pesquisadores acrescentaram aos genes do zika
um pequeno trecho do material genético do vírus da encefalite japonesa. Esse
vírus, assim como o zika e o da febre amarela, pertence à família Flaviviridae.
Sabidamente a parte do material genético do vírus da encefalite japonesa
adicionada à vacina aumenta a liberação de partículas virais no organismo, o
que, em princípio, pode levar a uma resposta mais robusta do sistema de defesa.
Uma única dose de cada formulação
dos NIH – cada animal recebia apenas uma das versões da vacina – foi suficiente
para gerar anticorpos protetores contra o zika nos roedores. Nos macacos, as
formulações se revelaram protetoras quando aplicadas em dois esquemas
terapêuticos: duas doses de 1 miligrama (mg), uma inicial seguida de outra de
reforço, administrada um mês mais tarde, ou duas doses de 4 mg. Em ambos os
casos, os pesquisadores começaram a detectar a produção de anticorpos contra o
zika duas semanas após a primeira injeção. Macacos vacinados com uma única dose
de 1 mg da vacina apresentaram cerca de 10% da quantidade de anticorpos
produzida pelos animais vacinados com duas doses.
Dos 18 macacos que receberam duas
doses de 1 mg ou duas de 4 mg, 17 se tornaram completamente imunes ao zika. Em
um experimento de desafio, em que os pesquisadores injetaram cópias de uma
variedade do vírus em circulação em Porto Rico, nenhum desses 17 animais
adoeceu nem apresentou níveis detectáveis de zika no sangue. Segundo o artigo
da Science, mesmo o macaco que não foi totalmente protegido apresentou
baixa concentração de vírus no organismo. Nos animais que haviam recebido
apenas uma dose de vacina, o zika passou a se multiplicar a partir do quarto
dia após a infecção.
“Verificamos que há uma
concentração mínima de anticorpos necessária para conferir proteção”, conta a
pesquisadora Leda dos Reis Castilho, a única brasileira a participar do estudo.
Formada em engenharia química, Leda é professora do Instituto Alberto Luiz
Coimbra de Pós-graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe), da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Ela coordena o Laboratório de Engenharia de
Cultivos Celulares, onde vinha desenvolvendo uma vacina contra a febre amarela
antes de a epidemia de zika eclodir. Leda atualmente passa uma temporada de um
ano, financiada com seu salário da UFRJ, como pesquisadora-visitante no laboratório
de Graham nos NIH para atuar no desenvolvimento de vacinas e anticorpos contra
o zika.
“Com base nesses resultados com
animais, obtidos em julho, os NIH conseguiram aprovação para iniciar os ensaios
clínicos em seres humanos”, conta Leda. Desde o início de agosto, as equipes
dos NIH já aplicaram a primeira dose da vacina de DNA em 55 pessoas com idade
entre 18 anos e 35 anos. Nessa primeira fase de testes em seres humanos, os
pesquisadores planejam aplicar de duas a três doses do imunizante em 80
indivíduos saudáveis.
Tanto a vacina dos NIH como a do
consórcio GeneOne-Inovio guardam pequenas diferenças em relação a outra vacina
de DNA contra o zika, desenvolvida pela equipe de Dan Barouch, diretor do
Centro de Virologia e Pesquisa em Vacinas (CVVR), da Escola Médica Harvard, nos
Estados Unidos. O grupo de Barouch, do qual participa o imunologista brasileiro
Rafael Larocca, foi o primeiro a comprovar que uma vacina de DNA era capaz de proteger
tanto roedores como macacos da infecção por zika. Apesar dos
resultados promissores, semanas atrás outro tipo de vacina, produzida pelo
Instituto de Pesquisa Walter Reed, do Exército norte-americano, a partir de
cópias inativadas do vírus, parecia ter mais chance de progredir mais
rapidamente. Boa parte das vacinas administradas aos seres humanos é feita com
vírus inativado, e até o momento não há vacina de DNA aprovada para ser
empregada como imunizante humano.
“Estamos apostando que a vacina
de DNA dos NIH será muito segura e de rápido desenvolvimento”, afirma Leda.
Atualmente, os pesquisadores já planejam a segunda fase de testes clínicos,
prevista para começar em janeiro de 2017 e ser realizada em vários países,
entre eles, o Brasil. Se tudo correr como esperado, em alguns anos essa vacina
poderia ser usada pela população, por exemplo, na imunização de mulheres em
idade reprodutiva. Em São Paulo, o Instituto Butantan, um dos principais centros
produtores de soros e vacinas no Brasil, estuda a possibilidade de produzir a
vacina de DNA dos NIH. “Visitei o grupo dos NIH tempos atrás e essa
é uma vacina que poderá ser produzida no Butantan em um primeiro
momento”, afirma o biólogo Paulo Lee Ho, diretor da Divisão de
Desenvolvimento e Inovação Industrial do Butantan.
Em uma entrevista à revista de
divulgação científica The Scientist, o médico Nelson Michael,
coordenador da equipe do Instituto de Pesquisa Walter Reed que trabalha com a
vacina com vírus inativado, contou que um imunizante de DNA pode ser a solução
para o curto prazo, enquanto não se chega a uma vacina com vírus inativado, que
pode ser facilmente produzida em grandes quantidades e a um custo baixo. Os
testes de eficácia da vacina do Walter Reed ainda devem levar um ano e meio
para começar.
“Ainda não está claro qual das
possibilidades atuais é a mais eficaz, se as estratégias mais sofisticadas são
realmente necessárias e se essas vacinas chegarão a um preço acessível aos
lugares em que mais são necessárias”, escreveu o biólogo Dirk Dittmer, da
Universidade da Carolina do Norte, nos Estados Unidos, em um comentário que
acompanhou o artigo da revista Science. “Seria prudente determinar quais
dos atuais candidatos a vacina contra o zika têm a melhor relação
custo-benefício antes de se direcionar vastos recursos de saúde pública para a
produção de vacinas e a realização de testes clínicos em grande escala”,
recomendou.
Na UFRJ, o laboratório de Leda
está desenvolvendo partículas tridimensionais que mimetizam o vírus zika, as
chamadas partículas pseudovirais, que podem ser usadas para produzir uma
vacina. Para ela, o importante é ter várias possíveis vacinas em
desenvolvimento. “Assim”, afirma, “é maior a probabilidade de que ao menos uma
esteja disponível o quanto antes para a população”.
Artigo
científico
DOWD, K. A. et al. Rapid development of a DNA vaccine for Zika virus. Science. 22 set. 2016.
DOWD, K. A. et al. Rapid development of a DNA vaccine for Zika virus. Science. 22 set. 2016.
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