Zika
vírus: Biopolítica e controle dos corpos das mulheres
Pregnant
women wait for their monthly medical test at Guatemalan Social Security
maternity hospital in Guatemala City, Tuesday, Feb. 2, 2016. According to
Guatemalan health authorities, the country does not have any confirmed case of
pregnant women infected by Zika virus. The virus is suspected to cause
microcephaly in newborn children. There is no treatment or vaccine for the
mosquito-borne virus, which is in the same family of viruses as dengue. (AP
Photo/Moises Castillo)
“Sexo é para amadores, gravidez é para
profissionais”, a frase do ministro da saúde, Marcelo Castro, sobre os cuidados
que gestantes deveriam ter diante da epidemia do Zika Vírus é um exemplo da
distância perversa entre os centros de poder e a população.
por
Daniela Lima do Huffpost Brasil
A divisão hierárquica entre mulheres
“profissionais” e “amadoras” que o ministro fez reflete as recomendações do
Plano de Enfrentamento à Microcefalia apresentado no ano passado.
O Plano sugere que as gestantes usem repelente,
roupas que não deixem braços e pernas à mostra e que evitem frequentar lugares
onde haja proliferação do mosquito.
Daí se pode concluir que, segundo a biopolítica
atual, ser “profissional” é assumir individualmente a responsabilidade pela
prevenção do contágio.É ter condições materiais para comprar
repelentes e não morar em lugares derisco. Ser “profissional” é
pertencer às classes dominantes.
Foucault falou pela primeira vez em biopolítica na
conferência O Nascimento da Medicina Social, realizada no Rio de Janeiro em
1974. Ressaltando que o biopoder se articula à biopolítica controlando a
vida por meio da intervenção do saber e da ação do poder: é o saber a
serviço do poder.
No caso do Plano, o saber médico é
instrumentalizado tanto para o controle dos corpos das mulheres como para deslocar
o centro do debate das ações do governo para as individuais.
Além disso, a divisão feita pelo ministro mostra
que a saúde pública não pretende afastar riscos igualitariamente. É
possível pensar que instituições que deveriam ser neutras reproduzem, reforçam
e até constituem desigualdades sociais. Para as mulheres “amadoras”, que
parecem ser abandonadas à própria sorte, o biopoder funciona não só como forma
de controle, mas de exclusão e até de eliminação real.
Não se trata de questionar a importância da
divulgação das medidas de prevenção, mas de denunciar as tentativas de transformar
medidas paliativas em principais.
O controle dos corpos das mulheres e de seu modo de
vida passou a ter centralidade nas ações de prevenção do governo. Os
mecanismos de poder transformam cuidado em controle, por meio de uma lógica
punitivista: aquela que não aceitar se responsabilizar individualmente pela
prevenção do contágio é imediatamente culpada pelas possíveis consequências –
como é o caso da microcefalia e da síndrome de guillain-barré.
Dizem para passar repelente e usar roupas grossas
como forma de prevenção, mas fica muito claro que estão dizendo: se eu me
infectar, a culpa é minha por não ter usado calça, por não ter passado
repelente direito e por não ter ficado dentro de casa a gravidez inteira. “Eu
fico apavorada, mas como posso ficar trancada o dia inteiro?” (Relato de
Mariana Braz, moradora de Campo Grande – Rio de Janeiro)
Deixa-se de discutir as sucessivas epidemias de
Dengue – que, assim como o Zika, é transmitida pelo mosquito Aedes aegypt –
decorrentes da incapacidade do governo de estabelecer planos de prevenção e
contingência.
Silencia-se sobre a importante articulação entre
saneamento básico, limpeza urbana, saúde pública e pesquisa científica,
reduzindo a prevenção quase que inteiramente ao conselho perverso: “mulheres,
não engravidem”.
Aconselhar as mulheres a não engravidarem é partir
do pressuposto cínico de que toda gravidez é planejada. Como se existisse amplo
acesso aos diferentes métodos contraceptivos, como se o governo garantisse
aborto seguro e como se não existissem casos de estupro no Brasil.
O Plano também fala de “medidas emergenciais”, como
visitas domiciliares para a aplicação de inseticida, mas elas têm se mostrado
insuficientes. E não resolvem problemas, como o acúmulo de água em imóveis
fechados para a especulação imobiliária, já que a inspeção deve ser feita na
presença do proprietário ou do responsável pelo imóvel. Já são 3.893 casos
de microcefalia e 49 mortes por malformação.
Mariana está com 16 semanas de gestação e mora na
Zona Oeste do Rio de Janeiro, onde as epidemias de Dengue são anuais. Mesmo
assim, não existe nenhum tipo de medida preventiva: “não vejo ação nenhuma do
governo aqui, não vejo ninguém limpando terreno baldio, não vejo ninguém vindo
aqui na minha casa botar inseticida no ralo, a gente mesmo é que tem que se virar
e fazer o que acha certo”.
O biopoder enfrenta o Zika com um frágil conjunto
de medidas de prevenção fundadas em interesses econômicos e políticos.
Medidas que enrijecem em normas de comportamento
ineficazes, desumanas e que operam divisões hierárquicas da vida. É um jogo de
terror e de transferência de responsabilidade para quem está em situação mais
vulnerável.
Em última instância, o biopoder decide quem deixa
morrer e quem faz viver. E sabemos quem são as primeiras a morrer.
Leia a matéria completa em: Zika vírus: Biopolítica e controle dos corpos das mulheres - Geledés http://www.geledes.org.br/zika-virus-biopolitica-e-controle-dos-corpos-das-mulheres/#ixzz3zbnSJGsL Follow us: @geledes on Twitter | geledes on Facebook
Nenhum comentário:
Postar um comentário